sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Porque mantemos a nossa proposta

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Finalmente sabemos o que propõe o governo em matéria fiscal para as pessoas com deficiência.

A alteração não é significativa. Existe um ligeiro aumento da dedução à colecta em relação ao orçamento anterior. Um aumento de 11,7%.

Para quem está habituado a aumentos salariais de 1,5 ou 2 % até impressiona. Mas quando se parte de tão baixo é fácil fazer figura e se fizermos as contas... afinal são só mais 55 cêntimos por dia.

Não é este aumento que vai fazer calar o nosso protesto.

Até porque se dá com uma mão e retira-se com a outra. É que faltou explicar que aumenta a dedução à colecta mas também aumenta o rendimento colectável. O rendimento colectável que o ano passado era considerado a 80%, este ano será 90% e no ano que vem a 100%. Há sempre estas pequenas coisas que ficam por dizer.

A proposta que fizemos ao Sr. Secretário de Estado da Administração Fiscal mantém-se:


  1. Manutenção da dedução à colecta na Lei do Orçamento.
  2. Reposição dos benefícios fiscais existentes desde 1988.
  3. Opção do contribuinte pelo sistema de cálculo mais favorável.
  4. Realização de um estudo de quantificação dos custos decorrentes do facto de uma pessoa ter uma deficiência.
  5. Combate efectivo à fraude fiscal, promovendo a fiscalização de falsas avaliações de incapacidade, começando pelos rendimentos mais elevados.
  6. Definir, então, uma política fiscal realmente justa.

Vamos, então, ponto por ponto.

1. Manutenção da dedução à colecta

Sabemos que maioritariamente a população com deficiência nem sequer tem acesso ao mercado de trabalho. De acordo com os censos de 2001, a percentagem de população sem deficiência que estava empregada era de 53% enquanto na população com deficiência só 26,2% tinham emprego[1]

Também sabemos que a população com deficiência, que consegue ter acesso ao mercado de trabalho, tem baixos rendimentos. 40,8% ganhavam em 2004 até 2 salários mínimos[2].

Parece ser verdade que os agregados familiares que incluem pessoas com deficiência que não têm quaisquer rendimentos serão beneficiados. Por isso achamos que se deve manter a dedução à colecta que está prevista.

Esta solução, no entanto, não vai melhorar em nada a qualidade de vida das pessoas com deficiência com vencimentos mais baixos porque não chegam a ter rendimentos suficientes para serem colectados. Abatimentos a uma colecta inexistente é uma mão cheia de nada.

A solução para estas pessoas não pode passar pela política fiscal.

Não podemos deixar de afirmar que não concordamos que o aumento da qualidade de vida das pessoas com deficiência que não podem trabalhar, repito, NÃO PODEM TRABALHAR, ou com muito baixo rendimentos seja feita por via fiscal.

É de notar que no recenseamento de 2001 registavam-se 111.251 pessoas com incapacidade permanente para o trabalho.

Não concordamos, porque consideramos que a dependência, qualquer que seja, é uma situação degradante para qualquer pessoa, e ainda mais para pessoas que têm uma deficiência e se confrontam quotidianamente com as atitudes e os preconceitos sociais dominantes que as vêm como alguém digno de caridade ou assistencialismos institucionais. Alguém que nada produz, ou seja, alguém que é dispensável.

Imaginem um casal em que um dos elementos trabalha e ganha o sustento da casa e o outro tem uma deficiência e não pode trabalhar. Será do ordenado de um deles, quando ganha o suficiente para isso, que, por via fiscal, resultará o aumento de rendimento. Cria-se uma relação de dependência numa relação onde deveria existir autonomia e participação a dois no rendimento familiar.

Para garantir essa autonomia, deveria ser através do direito a pensões dignas, contribuindo a pessoa com deficiência para a economia doméstica com o seu rendimento.

Não é o que se passa em Portugal, em que as pensões sociais de invalidez (que raio de nome) são de 177,05 euros a que se juntam 16,38 euros do Complemento Extraordinário de Solidariedade (que nome pomposo para o valor que é). São 193,43 euros. Só que, se for solteiro, para ter direito a esta pensão não pode ter rendimentos superiores a 30% do Indexante dos Apoios Sociais[3] ( o que quer dizer 119,36 euros mensais) ou ,se for casado, o rendimento do agregado familiar não pode ser superior a 50% do mesmo indexante.



foto de Drifting Photographer - pedinte numa cadeira de rodas
Será este o destino de quem não pode, ou não deixam, trabalhar?

Pois é, se a noiva tiver um ordenado superior a 199 euros o melhor é deixar o casamento para depois, porque se casar só acrescentará por via fiscal 118 euros por mês(menos 75,43 euros do que a pensão social de invalidez), isto se ela ganhar mais de 1.000€ , porque senão não haverá colecta a que descontar os tais 3,5 salários mínimos, e ainda por cima esse rendimento virá do trabalho da esposa.

Só para ter uma noção da diferença, podemos adiantar que, se vivesse sozinho, em França receberia 621,27 euros a que juntaria mais 103,63 euros de “majoração para a vida autónoma” se tivesse 80% ou mais de incapacidade enquanto que em Espanha receberia 312,43 euros, ou 468,65 euros caso tivesse mais de 75% de incapacidade e necessitasse de ajuda na vida diária.

2. Reposição do sistema de cálculo existente desde 1988

Porque é que insistimos em manter esta situação?

Porque os custos que um trabalhador com deficiência tem de enfrentar para ter qualidade de vida semelhante e as mesmas oportunidades, pessoais e profissionais, que os trabalhadores com as mesmas qualificações são enormes.

Basta referir que, por exemplo, em Madrid as deslocações de táxi das pessoas com deficiência (neste caso a partir de 33% de incapacidade), que não têm automóvel, são subsidiadas até 110 € por mês para as deslocações para o trabalho, centro de formação, capacitação ou reconversão profissional, 365 € anuais para poder deslocar-se às aulas de condução e 60€ por mês para assistir a actividades culturais, ócio e tempos livres.

Também em Espanha, em Barcelona, calculou-se o agravamento de custos para manter um nível de vida semelhante ao das pessoas sem deficiência, tendo-se chegado à conclusão que as pessoas com deficiência teriam necessidade de gastar em média mais 31.009 € anualmente.

Mas isto é uma média, com os perigos e enganos que as médias encerram, porque as deficiências não são todas iguais nem implicam os mesmos custos.

De acordo com este estudo as pessoas que têm incapacidades físicas mais graves teriam sobre-custos podem chegar aos 50.000 € anuais.

Sabemos que o nível de vida na Catalunha é mais elevado que em Portugal mas de certeza que os apoios existentes em Portugal, fiscais e não só, não chegariam para equilibrar as contas mesmo que os custos em Portugal fossem metade desta verba. Não é com 1410 euros anuais de abatimento à colecta que se compensam sobre-custos desta dimensão.

Claro que também em Espanha os apoios existentes não chegam para pagar estes custos, mas de uma coisa estamos certos, lá como em França, para citar dois países que nos são próximos, as pessoas com deficiência têm maiores oportunidades de viver uma vida integrada socialmente.



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Fontes:

Portugal - Valores indicados no site do MTPD-BF

Espanha - Calculo de retenciones IRPF - 2007 Copyrigth AEAT 2002-2007

França - Site da Amnistração Fiscal Francesa - www.impots.gouv.fr


É evidente que a situação que existiu em Portugal até 2006 é muito mais próxima da que se verifica em Espanha e França (pode verificar aqui em Espanha e aqui em França). As diferenças que existem entre o que se paga em Espanha e em França com o que o governo quer que nós paguemos é abismal. Será que estes países têm uma política de inclusão assim tão errada?

Só alguns exemplos:


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Os cálculo foram feitos, tendo em conta uma pessoa com deficiência, solteira, sem apresentar qualquer despesa de saúde ou outras:

Em Portugal com uma taxa de incapacidade de 65%
Em Espanha com uma taxa de incapacidade de 65%
Em França com uma pensão (militar, acidente de trabalho) por uma incapacidade de pelo menos 40% ou incapacidade (carte d'invalidité) de pelo menos 80%


Como é fácil constatar a reposição dos benefícios fiscais que reclamamos não é nada de extraordinário quando nos comparamos com a situação em que vivem as pessoas com deficiência destes países.

E não nos venham dizer que a comparação é demagógica porque, para além de os salários das pessoas com deficiência nestes países serem em média mais altos eles ainda têm apoios que nós não temos.

3. Opção pelo sistema mais favorável

Defendemos esta hipótese porque da mesma forma que sabemos que a retirada dos benefícios fiscais agravaria a qualidade de vida de milhares de pessoas com deficiência, também sabemos que voltar atrás na dedução à colecta, proposta pelo governo, seria prejudicar parte da comunidade a que pertencemos. Parte essa que tem de facto necessidade de apoios que ultrapassam, na nossa opinião, este novo regime fiscal .

Mas há uma coisa de que estamos certos. Não pode, nem deve ser uma parte dessa comunidade, porque tem maiores rendimentos, a suportar a melhoria da qualidade de vida da outra parte. A solidariedade não se pode fazer unicamente no seio da comunidade das pessoas com deficiência.

Os custos do investimento que é necessário fazer para acabar com a exclusão têm que ser assumidos pela sociedade portuguesa e a sociedade somos todos nós. Com e sem deficiência.

4. Realização de um estudo de quantificação dos custos

Num país em que nem sequer se sabe quantas pessoas com deficiência existem, alterar ou propor novos sistemas fiscais, ou quaisquer medidas legislativas, de discriminação positiva, que garanta uma verdadeira igualdade de oportunidades, não é científico e só pode dar mau resultado.

É necessário, à semelhança do que já foi feito no Reino Unido em 2004 e mais recentemente em Barcelona, saber do que se está a falar. Quais são os custos médios que enfrentam as pessoas com deficiência? Quais são os custos por tipo de deficiência? Que diferenças existem a este nível entre homens e mulheres? Quais são as suas necessidades? Etc. Etc.

Só assim, conhecendo a realidade concreta da vida das pessoas, dos factores que provocam a sua exclusão, será possível o governo delinear políticas, fiscais e outras, verdadeiramente integradoras.

5. Combate à fraude

Existe fraude nos atestados de incapacidade? Dizem-nos que sim.Também pensamos que exista.

Aliás, as poucas vozes que se levantaram contra o nosso movimento não se cansaram de utilizar este argumento, lançando sobre toda uma comunidade a suspeita de ser, para além de privilegiada, falsificadora de atestados e corruptora de juntas médicas.

Podem inspeccionar-nos à vontade, as nossas deficiências existem e é por isso que necessitamos de benefícios fiscais. A inspecção fiscal deve actuar e ser rigorosa. Cabe ao estado fiscalizar e punir quem prevarica. Não é de certeza eliminando os benefícios fiscais que se acaba com a fraude e evasão fiscal.

Em resumo

O que queremos é uma verdadeira política de inclusão, baseada no conhecimento da realidade existente.
Queremos igualdade de oportunidades.
Queremos que aqueles que não podem trabalhar tenham uma vida digna e autónoma.
Não queremos ficar fechados em casa a viver de subsídios quando temos capacidade para trabalhar.
Queremos ter condições de trabalho.
Queremos produzir.
Queremos ser cidadãos de pleno direito em pé de
igualdade com todos os portugueses.



[1] Censos 2001- INE [2] : Ministério das Finanças e da Administração Pública [3] 397,86 € para o ano de 2007

Nota: Este texto foi reeditado a 30 de Outubro de 2007

1 comentário:

Joaquim Ferreira disse...

Excelente. De acordo totalmente. Sobnretudo quando afirma que defendem "Combate efectivo à fraude fiscal, promovendo a fiscalização de falsas avaliações de incapacidade, começando pelos rendimentos mais elevados."
Neste ponto há uma questão fundamental a que devem procurar obter resposta para verem até que ponto a hipocrisia do governo chega. É que eu gostaria, sinceramente, de saber quantos políticos com deficiência e que salários têm todos os que foram nomeados pelo Governo, a começar pelas mais altas chefias da Polícia em que, segundo informação que circulou pela net, um dos nomeados acabava de conseguir a reforma "por problemas do for psiquiátrico. Mas serviu apra "chefe"... Excelente país. Força, meus caros. Não se calem. O povo está do vosso lado e a justiça dar-vos-á razão. Sigam em frente. Juntem a vossa voz a outras antas vozes indignadas. Não Calarei A Minha Voz... Até Que O Teclado Se Rompa !